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Por que os processos judiciais demoram tanto?

Atualizado: 11 de jan. de 2022

O excesso de recursos processuais e a defasagem no número de servidores em alguns cargos são fatos notórios, mas é preciso mudar muito mais que isso para tornar nossa justiça mais efetiva.



Se você é advogado certamente já respondeu essa pergunta muitas vezes, apontando uma série de argumentos que só fazem sentido para quem está no dia a dia do judiciário. Para os clientes, ainda que os argumentos pareçam lógicos e articuladamente produzidos, é difícil, para não dizer impossível, entender por que sua ação ainda não foi encerrada, ainda que tenha sido ajuizada há mais de três anos (segundo o CNJ, uma ação cível leva em média 3,6 anos, número que é puxado para baixo em razão da baixa quantidade de demandas nas justiças eleitoral e militar).


Importante destacar que os números apontados pelo CNJ em seu relatório anual, em sua maioria, representam médias, ou seja, há situações em que o processo dura menos e há situações em que a ação dura muito mais (temos no escritório um processo com 7 anos de tramitação apenas no Tribunal Superior do Trabalho, mais de 11 anos no total).


Mas, afinal, por que as ações demoram tanto? Os motivos são diversos, mas antes de adentrarmos nos pormenores, precisamos abordar, mesmo que superficialmente, como um processo funciona ou deveria funcionar.


Um processo judicial precisa respeitar uma série de regras, instituídas com o propósito de assegurar a todos que litigam um tratamento igualitário e justo. É o chamado devido processo legal que, em nosso caso, está previsto no artigo 5º, inciso LIV de nossa tão emendada Constituição Federal.


O devido processo legal é respeitado quando o acesso à justiça é garantido, as partes exercem de maneira plena o contraditório e a ampla defesa, o caso é julgado por um juiz natural, é respeitado o duplo grau de jurisdição, entre outros tantos princípios previstos em nossa ordem Constitucional.


Mas por que isso é importante? Isso é importante porque dar efetividade a esses princípios leva tempo. Ora, não seria razoável você ser condenado em um processo sem nem ao menos ter tido a oportunidade de apresentar defesa, não é mesmo? E não seria justo que você tivesse um prazo muito curto para isso, correto? E, se mesmo assim você for condenado, gostaria de ter a oportunidade de recorrer da decisão, não é verdade? Pois bem, isso leva tempo.


Em outras palavras, antes de encontrarmos os culpados para a lentidão da justiça brasileira, é preciso entender que até mesmo no sistema jurídico mais eficiente, o processo sempre precisará de um certo tempo para que todas essas garantias sejam respeitadas.


Entretanto, isso não significa, nem de longe, que o tempo médio de tramitação de um processo no país seja sequer perto do razoável. E isso ocorre por uma série de motivos: 1) temos uma quantidade absurda de processos, impulsionada por uma cultura litigante, um excessivo número de leis e uma fragilidade de nossas instituições; 2) nosso corpo de magistrados é desproporcional ao número de processos e 3) a cultura predominante é equivocada em vários aspectos e isso serve tanto para juízes e servidores, quanto advogados e partes.


Aos pormenores.


Quantidade de Processos


Conforme relatório do Conselho Nacional de Justiça (Justiça em números 2021), levando em consideração somente os dados das Justiça Estadual e do Trabalho, apenas em 2020 foram distribuídas 19.962.122 ações. Em outras palavras, apenas nesse ano 1 a cada 10 brasileiros ingressaram com um pedido junto ao Poder Judiciário. Lembrando que nesse número não estão incluídos os dados da Justiça Federal e do Supremo Tribunal Federal, que possuí metodologia específica de apuração.


Ao observarmos estes mesmos Tribunais, percebemos que eles encerraram o ano de 2020 com um total de 62.977.251 casos pendentes ou quase um caso pendente para cada brasileiro.


Isso ocorre, em parte, por nossa cultura extremamente litigante. Mesmo com um histórico de dar inveja à muito país de terceiro mundo no quesito velocidade e confiança, ainda assim o número de demandas cresce anualmente no país, paradoxalmente.


Ainda que tenhamos alguns mecanismos incentivadores à conciliação, como a marcação de uma audiência específica para tanto, na maioria dos nossos processos, a cultura da conciliação ainda apresenta lenta evolução. O número de processos resolvidos por intermédio de acordo segue em faixas muito baixas (23% na justiça do trabalho e 11,7% na justiça estadual), pouco para quem tem uma base de processos parados tão grande.


Além disso, ao se analisar a base total de processos, percebe-se que mais da metade deles refere-se a ações movidas por Estado, Municípios ou União para recuperar valores devidos a estes entes, fato que demonstra a total fragilidade e descrédito de nossas instituições. Ora, certamente alguma coisa está errada quando quase 50 milhões de processos ativos no país refere-se a execuções fiscais, não é mesmo?


Isso, ao bem da verdade, representa um verdadeiro ciclo vicioso de nosso sistema. Cada vez mais empresas e pessoas físicas deixam de pagar impostos, seja pelo descrédito da população com nosso ordenamento político, seja em função da nossa péssima cultura de pensar que só político é desonesto (contrata-se por fora, sonega-se imposto, deixa-se se formalizar um casamento para receber pensão etc.). Com isso, deixa-se de recolher bilhões de reais em tributos e milhares de ações são ajuizadas em um judiciário moroso, que acaba por prolongar eternamente estas questões, estimulando ainda mais a sonegação.


Outro ponto que afeta de maneira direta a quantidade de ações é a falta de medidas efetivas de desestímulo ao ajuizamento ou a não utilização das ferramentas existentes. Ainda que determinadas discussões estejam sedimentadas em nossos tribunais superiores, empresas e governos muitas vezes optam por simplesmente postergar o pagamento, interpondo recursos cujos resultados já sabem de antemão que serão negativos.


A alteração dos índices de correção das verbas trabalhistas trazida pela reforma trabalhista é um belo exemplo. Em que pese a Lei assinada por Michel Temer ter trazido uma série de evoluções, parte das modificações parece ter sido desenvolvidos por devedores contumazes. Isso porque, instituiu-se a TR como índice de correção das verbas trabalhistas (questão recentemente alterada pelo Supremo Tribunal Federal). Para quem não sabe, a TR foi literalmente zero de setembro de 2017 a novembro de 2021. Aos financistas de plantão, a pergunta é um tanto quanto óbvia: por que pagar algo agora se posso pagar daqui há alguns meses/anos praticamente no mesmo valor?


Mais: a sucumbência, verba paga pelo perdedor da ação e que, conforme nosso código de processo civil, deve ser arbitrada entre 10% e 20% do valor da ação, geralmente é arbitrada em seu patamar mínimo ou até mesmo abaixo deste, surpreendentemente, pelo fato de alguns magistrados entenderem que isso representa enriquecimento sem causa ou, de maneira ainda mais surpreendente, entenderem que isso represente um estímulo ao ajuizamento (?). Ora, quanto mais penoso for o processo ao vencido, maior será sua vontade de evitar o ajuizamento de um novo caso, não é mesmo?


Em suma, não temos muitas políticas eficazes para evitar o ajuizamento desnecessário de ações e utilizamos muito pouco das ferramentas que existem para deixar o processo mais caro e, com isso, menos atrativo.


Outro fator que contribui bastante para esse cenário caótico é a criatividade de nossos legisladores (desde nossa Constituição de 1988, foram editadas mais de 6 milhões de normas). Em matéria tributária, por exemplo, são cerca de 2,14 normas por hora, se considerados apenas os dias úteis. Sim, por hora.


Com isso, fica fácil imaginar a quantidade de confusão que essas normas geram e a quantidade de interpretações que surgem e são levadas ao Poder Judiciário.


Número escasso de magistrados


Se os números acima não são suficientes para te assustar, os próximos certamente o farão. Para julgar os processos acima temos uma força de trabalho de 433.575 pessoas, mas apenas 17.988 são magistrados.

Em outras palavras, temos um magistrado para cada 11.786 habitantes, ou 8,48 magistrados para cada 100 mil habitantes, quase três vezes menos que os países que apresentam índices mais satisfatórios de celeridade processual (21 a cada 100 mil habitantes) ou metade da média dos países europeus (17,4 a cada 100 mil habitantes). Em relação aos processos, são cerca de 4.610 ações para cada juiz. A matemática não fecha.


Por outro lado, também temos 415.587 pessoas envolvidas, sendo 267.613 de servidores e 147.974 de auxiliares, isso dá cerca de 196 servidores/auxiliares para cada 100 mil habitantes, um número extremamente alto, o que demonstra, de certa forma, a ineficiência na distribuição dos recursos (acredite ou não, mas o orçamento total do poder judiciário passa dos 100 bilhões de reais).


Não se está aqui criticando o trabalho dos servidores, muito longe disso, pois realizam um trabalho essencial à justiça, mas é indiscutível que há uma desproporção absurda no número de juízes em relação aos números dos demais componentes do Poder Judiciário.


Nossa Cultura


Então, pelo que foi dito até agora, o grande problema da lentidão do judiciário é o excesso de processo e o diminuto número de juízes, correto? Em parte, só em parte. Boa parte do problema que hoje enfrentamos em nossos tribunais é responsabilidade de todos os atores (partes, advogados, magistrados e servidores).


A responsabilidade também é das partes, em função da cultura já mencionada. Resolvemos poucos assuntos fora do Tribunal.


Nós, advogados, de uma maneira geral, ainda estimulamos muito o litígio. Além disso, somos os responsáveis pela quantidade absurda e irresponsável de recursos nos Tribunais Superiores. Precisamos entender melhor o que deve ser apreciado em segunda instância e o que deve de fato ficar a cargo do STJ e do STF. Não adianta nada reclamarmos na demora do judiciário, se atuamos para certas pessoas e empresas tão somente para comprar-lhes tempo.


Em relação aos juízes, estes também têm sua parcela de culpa. E isso vai desde a aplicação de entendimento que contribuem sobremaneira para a o ajuizamento de ações até mesmo a questões institucionais como excesso de férias, licenças, auxílios etc. (acredite ou não, mas até antes mesmo da pandemia, se tinha notícias de juízes e desembargadores morando fora do país).


Aos servidores também recai parte da culpa. Muito da morosidade reside na ausência de empatia e sensibilidade com as pessoas, afinal, não se trata apenas de mais um processo, mas sim da vida de um ser humano.


Evidentemente, muitas medidas vêm sendo tomadas para mudar esse cenário. Curiosamente, algumas dessas ações foram impulsionadas pela pandemia da Covid 19. Antes da pandemia raramente eram realizadas audiências virtuais ou atendimentos por WhatsApp. Hoje isso é uma prática em várias Comarcas. Aliás, um dos grandes avanços já estava em implementação e ganhou reforço durante a Pandemia, a digitalização dos processos possibilita maior agilidade e controle sobre o andamento das demandas. Todas estas medidas e outras que ainda estão em desenvolvimento certamente contribuirão com a melhora do nosso sistema, mas talvez a principal mudança passe mesmo pelo transformação na cultura de litígio.


O que deve ser feito já está escrito, nosso Código de Processo Civil está recheado de princípios que buscam dar uma maior efetividade ao processo, falta agora às partes envolvidas colocarem a mão na massa e mudarem suas atitudes. Se mudarmos nossa cultura, certamente teremos menos processos e com trâmites mais eficientes.


Felipe Mendonça

Advogado (OAB/PR 84.256). Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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