Medida drástica de punição ao empregado, a justa causa deve ser aplicada com extrema cautela e em último caso, sob pena de transformar-se em um grande passivo para a empresa.
Como nosso escritório é focado em direito empresarial, corriqueiramente recebemos consultas a respeito de possibilidade de demissão de certo funcionário por justa causa. Em que pese alguns casos serem de fato enquadráveis como falta grave, este não é o único elemento necessário para que uma dispensa por justa causa seja adequada. Ao bem da verdade, é necessária a existência de três elementos para sua caracterização: gravidade, imediatidade e relação de causa/efeito. Portanto, é imprescindível entender um pouco mais sobre o tema para evitar que uma decisão tomada por impulso vire uma grande dor de cabeça no judiciário.
O que é e quando ocorre?
Mas afinal, o que é uma demissão por justa causa? A justa causa nada mais é do que o ato de dispensar um funcionário com base em uma conduta inadequada e grave, que esteja prevista, ainda, em um dos incisos do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho. Trata-se de uma punição máxima aplicada ao funcionário e acaba por desobrigar o empregador de pagar aviso prévio e outras verbas rescisórias.
Uma vez constatada a justa causa, são devidos ao empregado o saldo de salário e férias vencidas (acrescidas de 1/3). Por outro lado, não será devida a multa do FGTS e o saldo só poderá ser sacado depois de 3 anos (com exceção dos casos abarcados pela Lei 13.466 de 2017, que alterou o parágrafo 22 do artigo 20 da Lei 8.036 de 1990).
Ela ocorre, portanto, quando o empregado comete uma falta grave que se compatibilize com uma das hipóteses abaixo (incisos do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho):
Ato de improbidade: Ocorre quando o empregado lesa o patrimônio da empresa, de colega de trabalho ou de cliente, seja pelo desvio de valores, furto de bens ou falsificação de atestado médico, por exemplo.
Incontinência de conduta ou mau procedimento: A incontinência é verificada por um desvio de conduta do empregado motivado por uma conotação sexual (assédio sexual). O mau procedimento, por outro lado, é verificado quando a postura do empregado é desrespeitosa, irregular, até mesmo se ocorrer fora da empresa.
Negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência a empresa para qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço: Sobrevindo ato do empregado de maneira contrária ao determinado pelo seu empregador ou que atente contra os interesses da empresa, restará caracterizada a falta grave a justificar sua dispensa.
Condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena: Sempre que o empregado cometer algum crime ele poderá ser dispensado por justa causa, ainda que seu ato não esteja relacionado com seu trabalho. Mas atenção: a dispensa só poderá ser efetuada se a decisão tiver transitado em julgado, ou seja, caso não haja mais possibilidade de revertê-la por intermédio de algum recurso.
Desídia do desempenho das respectivas funções: Ocasião em que o empregado desempenha suas funções da maneira indesejada, inadequada, com uma postura de descaso para/com suas funções. Atrasos, saídas adiantadas e faltas injustificadas são belos exemplos.
Embriaguez habitual ou em serviço: Um tanto quando óbvio, mas se o empregado for pego usando drogas ou consumindo bebida alcoólica no ambiente de trabalho, ele poderá ser dispensado por justa causa. Da mesma forma, caso ele faça isso fora do trabalho, mas sua conduta prejudique a imagem da empresa, a falta grave será igualmente verificável.
Violação de segredo da empresa: Acontece quando o empregado viola segredo empresarial, seja a que título for e independente de aferição de qualquer vantagem e/ou benefício com o ato.
Ato de indisciplina ou de insubordinação: A indisciplina é caracterizada pelo descumprimento de uma regra geral imposta a todos os empregados. Já a segunda ocorre quando há o descumprimento de uma regra de caráter específico recebida pelo empregado.
Abandono do emprego: Este ato comporta um texto específico, pois também somos habitualmente procurados em casos como esse. De qualquer forma, surge quando o empregado, sem justificativa, deixa de comparecer ao trabalho por um longo período. Em que pese não haver um período legalmente previsto, como regra ele se caracteriza quando a ausência do empregado for superior a 30 dias (períodos inferiores carecem de circunstâncias específicas).
Ato lesivo da honra ou da boa fama: Prática exercida que atente contra a imagem de qualquer colaborador, ocorrendo dentro ou fora do ambiente de trabalho.
Prática constante de jogos de azar: Caso o empregado seja praticante de qualquer tipo de jogo de azar (jogos que dependam exclusivamente de sorte) ele poderá ser dispensado por justa causa.
Perda da habilitação ou dos requisitos estabelecidos em lei para o exercício da profissão, em decorrência de conduta dolosa do empregado: Caso determinado funcionário perca sua habilitação junto a determinada entidade profissional ou governamental, em função de ato doloso, e isso lhe impeça de exercer sua profissão, ele poderá ser dispensado por justa causa. Em outras palavras, advogado que perdeu a OAB não pode advogar ou motorista que perdeu a carteira não pode dirigir.
Como visto acima, alguns incisos não podem ser interpretados literalmente: não é qualquer descumprimento de ordem que justifica uma dispensa por justa causa por insubordinação. Como a análise da gravidade de cada ato não está prevista em Lei, o empregador deve se utilizar da razoabilidade e da proporcionalidade na hora de avaliar a falta cometida. Antes de tomar qualquer decisão sobre o assunto, o empregador deve se fazer duas perguntas: O ato foi tão grave que qualquer punição diferente de justa causa seria inadequada? Em caso positivo, a punição ocorrerá de maneira imediata, tão logo o empregador tenha tido conhecimento do ato?
Caso haja uma resposta negativa para qualquer uma das perguntas acima, é recomendável pensar um pouco melhor sobre a forma de punição do empregado.
Quando ela pode ser levada a efeito?
Como acima rapidamente abordado, a demissão por justa causa deve ocorrer imediatamente após o cometimento de falta grave por parte do empregador ou tão logo ele consiga realizá-la, caso a ausência de decisão imediata sobre o tema tenha alguma justificativa razoável.
Em suma, entre o cometimento da falta grave e o comunicado da dispensa por justa causa não pode haver o transcurso de um lapso temporal elastecido. Isso porque, entende-se que quando ela não é efetivada dessa maneira imediata, há a ocorrência de um perdão tácito pela conduta praticada (casos assim são facilmente revertidos em juízo)
Não pode o empregador “guardar essa carta na manga” e utilizar quando bem entender. Tem que ser imediato, tão logo seja constatada a falta grave.
Mais: em casos de faltas graves cometidas por vários empregados, o tratamento deve ser o mesmo a todos, sob pena de reversão posterior em demanda judicial. Ora, por óbvio que o empregador não pode escolher quem será dispensado por justa causa, sem justa causa ou sequer se será dispensado, se o ato for idêntico ao de seus colegas.
Como formalizar a justa causa?
Outro ponto que merece bastante atenção do empregador é a formalização em si da justa causa. Sempre que ela for efetivada, o empregado precisa ser formalmente avisado e no documento deve constar, de maneira clara, o ato cometido e a justificativa legal (inciso do artigo 482 da Consolidação das Leis do Trabalho que o ato se enquadra). É preciso que a relação de causa e efeito esteja clara ao empregado.
Assim como a falta de imediatidade, a falta de justificativa tem sido motivo suficiente para a conversão judicial posterior da justa causa em dispensa sem justa causa, trazendo um enorme prejuízo ao empregador que poderia ter sido evitado com a adoção de um simples procedimento.
Conclusão
A justa causa deve ser sempre vista como uma medida de exceção, de ultima ratio, como comumente utilizada por nossos Tribunais. A razoabilidade e a proporcionalidade são as palavras de ordem para o empregador em casos do tipo.
Se, infelizmente, a demissão por justa causa tiver que ser levada a cabo, é importante que ela seja efetivada tão logo o ato tenha sido conhecido e o empregador deixe claro ao empregado qual foi o ato cometido e o inciso da Consolidação das Leis do Trabalho que fundamenta a decisão.
Mas lembre-se: em hipótese alguma essa informação deve ser apontada na CTPS do empregado, sob pena de responder por uma condenação alta por danos morais (há muito tempo o Tribunal Superior do Trabalho vem entendendo assim). A CLT é clara nesse sentido em seu parágrafo 4º do artigo 29.
Felipe Mendonça
Advogado (OAB/RS 69.083 e OAB/PR 84.256). Mestre em Direito do Trabalho pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
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